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domingo, 3 de junho de 2012

A Lenda de Filemon e Báucis



Júpiter é o protetor dos anfitriões, e percorre incessantemente a terra para verificar como praticam a hospitalidade os homens. Achava-se um dia na Frígia, acompanhado do fiel Mercúrio, que tivera o cuidado de se desfazer das asas para não ser reconhecido.
Após visitar grande número de casas em busca de horpitalidade, o que sempre lhe foi recusado, chegou a uma choçazinha coberta de palha, e de caniços; ali foram ambos acolhidos com cordialidade por Filemon e Báucis.
Os dois esposos tinham a mesma idade, haviam contraído núpcias muito moços e haviam envelhecido naquela choça. Pobres, tinham sabido, mediante a virtude, diminuir os rigores da indigência. Sozinhos, eram eles mesmos os seus criados e compunham toda a família.
Quando Júpiter e Mercúrio entraram, abaixando-se, por ser a porta baixíssima, Filemon apresentou-lhes cadeiras para que descansassem, e Báucis nelas acomodou um pouco de palha para que os estranhos se sentissem mais à vontade. Em seguida, pôs-se a fazer fogo reavivando algumas fagulhas que brilhavam sob as cinzas; para aumentá-lo e fazer ferver a marmita, reuniu alguns gravetos e arrancou ramos que serviam de apoio à cabana.
Enquanto limpava a verdura que o marido fora colher no horto, Filemon pegou toucinho velho pendente do forro e, cortando um pedaço, o colocou na marmita. Depois, à espera de que o almoço ficasse pronto, começou a conversar com os homens para que estes se não entediassem.
Num canto do quarto pendia um vaso de faia que Filemon encheu de água quente para lavar-lhes os pés. No meio, via-se uma mesa de madeira cujo único enfeite eram algumas folhas de árvores; para decorá-la, estenderam sobre ela um tapete do qual somente se serviam nas grandes festas, e o tapete, digno ornamento de tal mesa, era um velho hábito muito comum: foi ali que eles arrumaram o lugar que Júpiter e Mercúrio pudessem comer.
Entretanto, Báucis preparava a mesa; como esta tivesse um dos pés mais curto que os outros, remediou a situação colocando sobre ele um tijolo. Após enxugá-la bem, colocou sobre ela azeitonas, chicória, rabanetes e queijo branco. Formava o prato do meio um bolo de mel. A refeição frugal, mas tinha bom aspecto e era dada de todo o coração.
No entanto, o bom casal desconfiou que não era o bastante; a sua única riqueza era um ganso que guardava a choça. Quiseram pegá-lo para o matar, e puseram-se ambos a correr atrás do pobre animal que, desejoso de lhes escapar, os fez perder a respiração e terminou por se refugiar entre as pernas de Júpiter, o qual lhes rogou o não matassem. O ganso passara a ser seu protegido.
Os dois esposos notaram que as taças se enchiam por si próprias à medida que se esvaziavam e que o vinho aumentava em vez de diminuir. Assombrados com tal prodígio, ergueram as mãos trêmulas para céu, pedindo perdão aos hóspedes por lhes ter oferecido tão pobre refeição.
Júpiter deu-se, então, a conhecer e ordenou-lhes o seguissem à montanha vizinha, o que eles mal conseguiram fazer, valendo-se dos seus cajados. O rei dos deuses perguntou-lhes, depois, o que almejavam, e prometeu que os satisfaria. Após se consultarem, os dois esposos suplicaram-lhe a graça de não sobreviver um ao outro.
Chegados à montanha, Filemon e Báucis voltaram-se e viram que toda a região estava coberta de água, com exceção da choça. E como se admirassem de, no meio de tanta calamidade, lhes ter sido poupada a habitação notaram que se revestia de aspecto diverso.
Magníficas colunas se erguiam no lugar das forquilhas de madeira que antes a sustentavam; a palha que a cobria convertera-se em ouro; a terra que lhe servia de soalho estava pavimentada de mármore, a porta ornada de esculturas e baixos-relevos; a humilde choupana transformara-se num resplendente templo.
Júpiter fez dos dois esposos sacerdotes do novo templo, e eles viveram unidos na prosperidade, como haviam vivido na indigência, e chegaram isentos de enfermidades à mais extrema velhice.
Quando soou a hora marcada pelo destino, Filemon e Báucis achavam-se sentados diante dos degraus do templo. Báucis percebeu, de repente, que o corpo de Filemon se ia cobrindo de folhas e este, por sua vez, observou o mesmo fenômeno em sua mulher. Vendo, em seguida, ambos que a casca começava a atingir a cabeça, disse Filemon:
- Adeus, minha querida esposa.
E ela:
- Adeus, meu querido esposo.
Mal haviam proferido tais palavras, fechou-se-lhes para sempre a boca. As duas árvores colocadas lado a lado sombrearam a entrada do templo, e a piedade dos povos lhes cobriu de ramalhetes e grinaldas os ramos.

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