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Olá amigos!

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domingo, 22 de fevereiro de 2015

Vamos contar

Dona Cotinha, Tom e Gato Joca

Dona Cotinha, Tom e gato Joca. Ilustração: Ionit Zilberman

Em frente à minha casa tem outra casa, pequena, de madeira, azul com janelas brancas. Está no fim de um terreno enorme com muitas árvores. Para mim aquilo é o que chamam de floresta. Tom diz que é um quintal. Ali mora dona Cotinha, uma velhinha que tem cabelos lilás e dirige um Fusquinha vermelho. Esse passou a ser meu esconderijo. Dona Cotinha sempre aparece com um prato de comida. Diz:

- Vem, gatinho. Olha só o que eu trouxe para você.

Sou premiado com sardinha fresca, atum, macarrão. Tenho engordado além da conta. Dia desses estava tomando sol e ouvi o Tom me chamar. O danado sentiu meu cheiro e descobriu meu segredo. Ele estava no portão quando chegou dona Cotinha, no seu Fusquinha.

- Bom dia, menino - disse ela. Já que está em frente à minha casa, faça uma gentileza e abra o portão.

Tom obedeceu. Dona Cotinha afagou minha cabeça e perguntou:

- Este gatinho é seu?

- Sim, senhora.

- Ele é muito educado.

- Obrigado - disse eu, na minha voz de gato.

- No primeiro dia que o vi por aqui, ele entrou na casa e cheirou tudo. Agora, sempre deixo uma comidinha para ele!

- Ah! Mas o Joca não come comida de gente, não, senhora. Só come ração - disse o Tom.

- Come, sim, meu filho. E come de tudo.

Dona Cotinha acabava de denunciar minha gula e o aumento de peso. Continuou:

- Passe aqui no fim da tarde. Faço um bolo de fubá com cobertura de chocolate que é de dar água na boca.

Com água na boca fiquei eu. Naquela tarde voltamos à casa de dona Cotinha. Ela foi logo mostrando pro Tom uma coleção de carrinhos antigos. Era do filho dela, que morreu bem pequeno. Depois nos levou para uma sala repleta de livros. Tom ficou de boca aberta e perguntou:

- A senhora já leu todos esses livros?

- Praticamente todos. Ler foi minha diversão, meu bom vício. Infelizmente meus olhos não ajudam mais. Essa pilha que você está vendo aqui ainda nem foi tocada.

Tom começou a ler em voz alta, e sua voz encheu a sala de seres fantásticos. O tempo parou.

Desse dia em diante, à tardinha, eu e Tom tínhamos uma missão. Abrir os livros de dona Cotinha e deixar os personagens passearem pela casa mágica, no meio da floresta da cidade de pedra.

lCléo Busatto, autora deste conto, é escritora e contadora histórias.

A menina e o sapo




Ilustração: Renato Ventura
Ilustração: Renato Ventura. 


Nina, menina airosa, formosa como ela só. 
Bonito era ver Nina correr. 
Ora corria rápido, feito tufão, ora devagar, parecendo brisa. 

Nina corria pelo jardim. 
Nina caía no gramado. 
Nina fazia folia. E ria. 

À noite, cansada das travessuras do dia, a menina dormia. 

Certa vez, enquanto passeava pelo jardim, Nina viu um sapo. 
Sapo também viu Nina. 
"Será que, se Nina beijar o sapo, sapo vira príncipe?" 
Nina não sabia, mas ficava imaginando como isso seria. 

Nina beijou o sapo. 
Sapo continuou sapo. 
Não virou príncipe. 
Mas se apaixonou por Nina. 

Agora, onde Nina está, lá se vê o sapo apaixonado suspirando pela menina. 

Na cabeça do sapo, Nina é uma princesa-sapa, transformada em menina por uma terrível feiticeira.

Marcia Paganini Cavéquia, autora deste conto, é pós-graduada em Metodologia do Ensino pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Se Eu Fosse Esqueleto

Se eu fosse esqueleto. Ilustração: Eduardo Recife

Se eu fosse esqueleto não ia poder tomar água nem suco porque ia vazar tudo e molhar a casa inteira.

Tirando isso, ia acordar e pular da cama feliz como um passarinho.

É que ser uma caveira de verdade deve ser muito divertido.

Por exemplo. Faz de conta que um banco está sendo assaltado. Aqueles bandidões nojentões, mauzões, armados até os dentões, berrando:

- Na moral! Cadê a grana?

Se eu fosse esqueleto, entrava no banco e gritava: bu!

Bastaria um simples bu e aquela bandidagem ia cair dura no chão, com as calças molhadas de úmido pavor.

O gerente e os clientes do banco iam agradecer e até me abraçar, só um pouco, mas tenho certeza de que iam.

Se eu fosse caveira, de repente vai ver que eu ia ser considerado um grande herói.

Fora isso, um esqueleto perambulando na rua em plena luz do dia causaria uma baita confusão. O povo correndo sem saber para onde, sirenes gemendo, gente que nunca rezou rezando, o Exército batendo em retirada, aquele mundaréu desesperado e eu lá, todo contente, assobiando na calçada.

Um repórter de TV, segurando o microfone, até podia chegar para me entrevistar:

- Quem é você?

E eu:

- Sou um esqueleto.

E o repórter:

- O senhor fugiu do cemitério?

Aí eu fingia que era surdo:

- Ser mistério?

E o repórter, de novo, mais alto:

- O senhor fugiu do cemitério?

- Assumiu no magistério?

- Cemitério!

- Fala sério? Quem?

Aí o repórter perdia a paciência:

- O senhor é surdo?

E eu:

- Claro que sou! Não está vendo que não tenho nem orelha?

Se eu fosse esqueleto talvez me levassem para a aula de Biologia de alguma escola. Já imagino eu lá parado e o professor tentando me explicar osso por osso, dente por dente, dizendo que os esqueletos são uma espécie de estrutura que segura nossas carnes, órgãos, nervos e músculos.

Fico pensando nas perguntas e nos comentários dos alunos:

- Como ele se chamava?

- É macho ou fêmea?

- Quantos anos ele tem?

- Tem ou tinha?

- Magrinho, não?

- O cara sabia ler ou era analfabeto?

- E a família dele?

- Era rico ou pobre?

- O coitado está rindo de quê?

E ainda:

- Professor, ele era careca?

Enquanto isso, eu lá, no meio da aula, com aquela cara de caveira, sem falar nada para não assustar os alunos e matar o professor do coração.

Uma coisa é certa. Deve ser muito bom ser esqueleto quando chega o Carnaval. Aí a gente nem precisa se fantasiar. Pode sair de casa numa boa, cair no samba, virar folião e seguir pela rua dançando, brincando e sacudindo os ossos. Parece mentira, mas, no Carnaval, porque é tudo brincadeira, a gente sempre acaba sendo do jeito que a gente é de verdade.

Se eu fosse esqueleto, quando chegasse o Carnaval, ia sair cantando:

Quando eu morrer
Não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela
Gravada com o nome dela


Todo mundo sabe que o maior amigo do homem é o cachorro.

O que a maioria infelizmente desconhece e a ciência moderna esqueceu de pesquisar é que o pior inimigo do esqueleto late, morde, abana o rabo, carrega pulgas e aprecia fazer xixi no poste.

E se eu fosse esqueleto e por acaso um vira-lata me visse na rua, corresse atrás de mim e fugisse com algum osso dos meus?

Ricardo Azevedo, autor deste conto, é escritor e ilustrador. Já escreveu mais de 100 livros para crianças e jovens, entre eles Trezentos Parafusos a Menos (Ed. Companhia das Letrinhas) e Contos de Espanto e Alumbramento (Ed. Scipione). É ganhador de vários prêmios, entre eles o Jabuti, que venceu cinco vezes.

Viva a Paz!

Viva a paz! Ilustração: Rogério Fernandes

Dois gatinhos assanhados
se atracaram, enfezados.
A dona se irritou
e a vassoura agarrou! 

E apesar do frio, na hora,
os varreu porta afora,
bem no meio do inverno,
com um frio "do inferno"! 

Os gatinhos, assustados,
se encolheram, já gelados,
junto à porta, no jardim,
aguardando o triste fim! 

De terror acovardados,
os dois gatinhos, coitados,
não puderam nem miar,
lamentando tanto azar! 

Sem ouvir nenhum miado,
a dona, por seu lado,
dos gatinhos teve dó,
e a porta abriu de uma vez só! 

Mesmo estando tão gelados,
os dois gatinhos arrepiados
Zás! Bem junto do fogão
surgem, sem reclamação! 

E a dona comentou:
tanto faz quem começou!
Uma encrenca boba assim
bom é que tenha logo um fim! 

E ela acrescentou, então,
não querem brigar mais, não?
E os gatinhos, enroscados,
esqueceram da briga, aliviados. 

Confortados, no quentinho,
com sossego e com carinho,
dormem bem, bichos queridos,
já da briga esquecidos.

Tatiana Belinky, adaptadora desta cancão popular inglesa, é escritora e tradutora. Tem mais de 100 livros publicados. Em 1989, ganhou o Prêmio Jabuti por sua trajetória literária.

domingo, 28 de abril de 2013

Ortografia

 A palavra ORTOGRAFIA é formada por "orto", elemento de origem grega,  usado como prefixo, com o significado de direito, reto, exato e "grafia", elemento de  composição de origem grega com o significado de ação de escrever; ortografia,  então, significa ação de escrever “direito”.  Indivíduos de diferentes regiões, pertencentes a diferentes grupos  socioculturais, ou nascidos em diferentes épocas, pronunciam as mesmas palavras  de forma diferente. Essas formas de pronúncia são válidas e não podem ser  consideradas “certas” ou “erradas”: podemos apenas ver se estão adequadas aos  contextos onde os indivíduos as empregam.  O que isso tem a ver com a ortografia? Se considerarmos que um carioca e  um pernambucano pronunciam de modo diferente a palavra “tio” – o primeiro poderia  dizer algo como “tchiô” e o segundo “tiu” -, na hora de escrever, se não houvesse  uma ortografia, cada um registraria o seu modo de falar. E os leitores de suas  mensagens sofreriam muito, tendo que “decifrar” a intenção dos dois autores. A ortografia funciona como um recurso capaz de “cristalizar” na escrita as  diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma língua. No caso da língua  portuguesa, foi só neste século que se fixaram normas ortográficas no Brasil e em  Portugal. Embora muito parecidas, as ortografias desses dois países não são  exatamente iguais. Por isso, nos últimos anos, vem sendo negociado um acordo  entre os vários países de língua portuguesa para “unificar” as normas ortográficas  usadas em cada um deles. A forma correta das palavras é sempre uma convenção, algo que se define  socialmente. Assim, nos textos do início do século encontrávamos grafias como  “pharmácia”, rhinoceronte”, archeologia”, thermômetro”, commércio” e  “encyclopédia”. Hoje, a norma que usamos define não só o uso de letras e dígrafos.  Ela define também o emprego dos acentos e a segmentação das palavras no texto. É importante compreender que a definição de normas ortográficas, para cada  língua, refletiu também mudanças nas práticas culturais de uso da escrita e de  acesso a esta. Foi com o avanço da escolarização obrigatória e a proliferação dos  meios de comunicação de massa que se tornou imperioso ter, em cada país, uma  forma unificada de escrever. 2 Dada a sua natureza de convenção social, o conhecimento ortográfico é algo  que a criança não pode descobrir sozinha, sem ajuda. Quando compreende a escrita  alfabética e consegue ler e escrever seus primeiros textos, a criança já apreendeu o  funcionamento do sistema de escrita alfabética, mas ainda desconhece a norma  ortográfica. Esta é uma distinção importante para entendermos por que os alunos  principiantes cometem tantos erros ao escrever seus textos e por que temos que  ajudá-los na tarefa de aprender a “escrever segundo a norma”. Se na história da humanidade os sistemas de escrita alfabética surgiram  antes das normas ortográficas, algo semelhante ocorre no desenvolvimento  individual. A criança inicialmente se apropria do sistema alfabético: num processo  gradativo, descrito pelas pesquisas da psicogênese da escrita, ela aos poucos  “domina a base alfabética”. O que o aprendiz nessa fase ainda não domina, porque  desconhece, é a norma ortográfica. Ele pode já ter notado algumas incongruências  de nosso sistema alfabético (quando, por exemplo, descobriu que duas letras  diferentes têm o mesmo som), mas ainda não internalizou as formas escritas que a  norma ortográfica convencionou serem as únicas autorizadas. Sabemos que no sistema alfabético de nossa língua há muitos casos em que  um mesmo som pode ser grafado por mais de uma letra (por exemplo, “seguro”,  “cigarro”, “auxílio”) ou em que uma mesma letra se presta para grafar mais de um  som (por exemplo, “gato” e “gelo”). Nesse caso, onde em princípio haveria mais de  uma grafia a ser usada, é a norma ortográfica que define qual letra (ou dígrafo) vai  ser a correta. Em muitos casos há regras, princípios orientadores que nos permitem  prever, com segurança, a grafia correta. Em outros casos, é preciso memorizar. Ao  ensinar ortografia, o professor precisa então levar em conta as peculiaridades de  cada dificuldade ortográfica. Incorporar a norma ortográfica é conseqüentemente um longo processo para  quem se apropriou da escrita alfabética. Não podemos nos assustar e, em nome da  correção ortográfica, censurar ou diminuir a produção textual no dia-a-dia, ou seja. O  ensino sistemático de ortografia não pode se transformar em “freio” às  oportunidades de a criança apropriar-se da linguagem escrita pela leitura e  composição de textos reais. Se o trabalho de reescrita e produção de textos é  fundamental para nossos alunos avançarem em seus conhecimentos sobre a língua 3 escrita, não podemos por outro lado esperar que eles aprendam ortografia apenas  “com o tempo” ou “sozinhos”. É preciso garantir que, enquanto avançamos em sua  capacidade de produzir textos, vivam simultaneamente oportunidades de registrá-los  cada vez mais de forma correta. A norma ortográfica de nossa língua está organizada na correspondência  letra-som (regulares), portanto podem ser incorporadas pela compreensão, e irregulares, quando exige que o aprendiz as memorize. Regularidades e irregularidades Tomemos um exemplo: Pedro, aluno de segunda série, produziu uma  história em que se apareciam grafias como “sidade” (cidade), “oje” (hoje), “cachoro” (cachorro) e “honrrado” (honrado). Embora todas as palavras contenham erros,  podemos nos perguntar se eles são devidos a motivos diferentes ou se têm uma  única razão de ser. No caso de “cidade” e “hoje”, não há nenhuma regra ou princípio  que possa nos ajudar a saber por que essas palavras se escrevem,  respectivamente, com C e H. Já no caso de “cachorro” e “honrado”, sem termos que  decorar cada palavra isoladamente, podemos compreender por que se escrevem  com RR e R. Estamos então diante de dois tipos de dificuldades ortográficas:  irregulares e regulares. No primeiro caso, o uso de uma letra (ou dígrafo) é  justificado apenas pela tradição de uso ou pela origem (etimologia) da palavra.  Como não existe uma regra, o aprendiz vai ter que memorizar a forma correta, como  acontece com o C e com o H nas palavras “cidade” e “hoje”. Já no segundo caso, o das dificuldades regulares, podemos prever a forma  correta sem nunca ter visto a palavra antes. Inferimos a forma correta porque existe  um “princípio gerativo”, uma regra que se aplica a várias (ou todas) as palavras da  língua nas quais aparece a dificuldade em questão. É, por exemplo, o que ocorre  com o emprego de R ou RR em palavras como “honra” e “cachorro”. O entendimento do que é regular e do que é irregular em nossa ortografia se  torna fundamental para o professor organizar seu ensino. Se percebemos que os  erros ortográficos têm causas distintas, podemos abraçar a idéia de que a  superação de erros diferentes requer estratégias de ensino-aprendizagem 4 diferentes. Isto é, para avançar na superação de erros distintos, o aluno precisa ser  ajudado a usar diferentes modos de raciocinar sobre as palavras.  Entre as relações regulares encontramos três tipos:  - Regulares diretas: Este primeiro grupo de ralações letra-som inclui as  grafias P, B, T, D, F e V em palavras como “pato”, “bode” ou “fivela”. Nesses casos,  se olharmos bem, não existe nenhuma outra letra “competindo” (com o P, com o B,  etc) para grafar esses sons. É comum as crianças não terem muitas dificuldades  para usar essas letras quando aprendem as convenções do sistema alfabético. Mas, numa etapa inicial, sempre encontramos algumas crianças que  cometem trocas entre o P e o B, entre o T e o D, etc, de modo a escrever coisas  como “bato” e “dapete” no lugar de pato e tapete. Interpreta-se hoje que essas  trocas se devem ao fato de os sons em questão serem muito parecidos em sua  realização no aparelho fonador. São tecnicamente chamados de “pares mínimos”,  porque são produzidos expelindo-se o ar do mesmo modo, no mesmo ponto de  articulação, diferindo apenas porque em um (por exemplo, o b) as cordas vocais  vibram, enquanto no outro som (por exemplo, o p) elas não vibram. No caso desse  tipo de regularidade podem trazer alguma dificuldade para alunos cuja variedade de  pronúncia se distancie das formas de pronúncia prestigiadas. Desse modo, um  aluno, que fale, por exemplo, “barrer” (no lugar de varrer) poderá apresentar um erro  que não observamos em outras crianças. - Regulares contextuais: Neste segundo tipo de relações letra-som, também  regulares, é o contexto, dentro da palavra, que vai definir qual letra (ou dígrafo)  deverá ser usada. A “disputa” entre o R e o RR é um bom exemplo, pois em função do contexto  em que aparece a relação letra-som, poderemos sempre gerar grafias corretas sem  precisar memorizar. Para o som do “R forte”, usamos R tanto no início da palavra  (por exemplo, risada), como no começo de sílabas precedidas de consoante (por  exemplo, genro) ou no final de sílabas (porta). Quando o mesmo som de “R forte”  aparece entre vogais, sabemos que temos que usar RR (como em carro e serrote).  E quando queremos registrar o outro som do R, que alguns chamam “brando” (e que  certas crianças chamam “tremido”), usamos um só R, como em careca e braço. São também casos de regularidades contextuais:5 - o uso d G ou GU em palavras como garoto e guerra; - o uso do C ou QU, notando o som k em palavras como capela e quilo; - o uso do J formando sílabas com A, O e U em palavras como jabuti, jogada  ou cajuína; - o uso do Z em palavras que começam com o som de Z (por exemplo,  zabumba e zinco); o uso do S no início das palavra, formando sílabas com A, O e U, como em  sapinho, sorte e sucesso; - o uso de O ou U no final de palavras que terminam com o som de U (por  exemplo, bambo e bambu); - o uso de E ou I no final de palavras que terminam com o som de I (por  exemplo, perde e perdi); -o uso de M, N, NH ou ~ para grafar todas as formas de nasalização de nossa  língua (em palavras como campo, canto, minha, pão e maçã). A escrita das vogais nasais e os ditongos nasais constitui uma grande fonte  de dificuldade para os aprendizes. Isso é compreensível se levarmos em conta que  na escrita do português existem cinco modos de “marcar” a nasalidade: - usando o M em posição final de sílaba (bambu); - usando o N em posição final de sílaba (banda); - usando o til (manhã); - usando o dígrafo NH (em diferentes regiões do Brasil, palavras como  “minha” e “galinha” são de fato pronunciadas /mia/ e /galia/, de modo que a vogal  anterior ao dígrafo é nasalizada e ele não é pronunciado). - nos casos em que a nasalização se dá “por contigüidade”, sem que se  empregue nenhuma das alternativas anteriores, pois a sílaba seguinte já começa  com uma consoante nasal (por exemplo, cama e cana) - Regulares morfológico-gramaticais: Existe ainda um terceiro grupo de relações letra-som em que a compreensão  de regras nos dá segurança ao escrever. Sabemos, por exemplo, que “portuguesa”  e “inglesa” se escrevem com S, enquanto “beleza” e “pobreza” se escrevem com Z.  sabemos também que “cantasse”, “comesse” e “dormisse” se escrevem sempre com  SS. Por quê? Mesmo que não saibamos “dizer” as razões, temos um conhecimento 6 intuitivo dos motivos que estão por trás dessas grafias. Nesses casos, são aspectos  ligados à categoria gramatical da palavra que estabelecem a regra: por exemplo,  adjetivos que indicam o lugar onde a pessoa nasceu se escrevem com EZA. Na maioria dos casos, essas regras envolvem morfemas – partes “ internas”  que compõem as palavras - , sobretudo sufixos que indicam a sua “família”  gramatical. Esses sufixos aparecem tanto na formação de palavras derivadas como  na flexão dos verbos. A seguir veja também uma seleção de casos de regularidades morfológicogramaticais presentes em substantivos e adjetivos, por derivação: - “portuguesa” , “francesa” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem  se escrevem com ESA no final; - “beleza”, “pobreza” e demais substantivos derivados de adjetivos e que  terminam com o segmento sonoro /eza/ se escrevem com EZA; - “português”, “francês” e demais adjetivos que indicam o lugar de origem se  escrevem com ÊS no final; - “milharal”, “canavial”, “cafezal” e outros coletivos semelhantes terminam com  L; - “famoso”, “carinhoso”, “gostoso” e outros adjetivos semelhantes se  escrevem sempre com S; - “doidice”, “chatice”, “meninice” e outros substantivos terminados com o  sufixo ICE se escrevem sempre com C; - substantivos derivados que terminam com os sufixos ÊNCIA, ANÇA e  ÂNCIA também se escrevem sempre com C ou Ç ao final (por exemplo, “ciência”,  “esperança” e “importância”). As regras morfológico-gramaticais se aplicam ainda a vários casos de flexões  dos verbos que causam dificuldades para os aprendizes, conforme segue alguns  exemplos: - “cantou”, “bebeu”, “partiu” e todas as outras formas da terceira pessoa do  singular do passado (perfeito do indicativo) se escrevem com U final; - “cantarão”, “beberão”, “partirão” e todas as formas da terceira pessoa do  plural no futuro se escrevem com ÃO, enquanto todas as outras formas da terceira 7 pessoa do plural de todos os tempos verbais se escrevem com M no final (por  exemplo, “cantam”, “cantavam”, “bebam”, “beberam”); - “cantasse”, “bebesse”, “dormisse” e todas as flexões do imperfeito do  subjuntivo terminam com SS; - todos os infinitivos terminam com R (“cantar”, “beber”, “partir”), embora esse  R não seja pronunciado em muitas regiões de nosso país. O importante é observarmos que a existência de regras morfológicogramaticais permite ao aprendiz inferir um princípio gerativo. Quando o aluno  compreende que há algo de constante naqueles “pedaços” de palavras (que são  semelhantes quanto à classe gramatical), não precisa memorizar uma a uma suas  formas ortográficas. Irregularidades Ao lado das regularidades, nas quais o aprendiz pode e deve  compreender/usar com segurança princípios gerativos, encontramos as  irregularidades de nossa ortografia. Elas se encontram na escrita: - do “som do S” (“seguro”, cidade”, “auxílio”, “cassino”, “piscina”, “cresça”,  “giz”, “força”, “exceto”); - do “som do G” ( “girafa”, “jiló”); - do “som do Z” (“zebu”, “casa”, “exame”); - do “som do X” (enxada”, “enchente”). Mas envolvem, ainda, por exemplo: - o emprego do H inicial (“hora”, “harpa”); - a disputa entre E e I, O e U em sílabas átonas que não estão no final das  palavras (por exemplo, “cigarro” / “seguro”, “bonito” / tamborim”); - a disputa do L com o LH diante de certos ditongos (por exemplo, “Júlio” e  “julho”, família” e “toalha”); - certos ditongos da escrita que têm uma pronúncia “reduzida” (por exemplo,  “caixa”, “madeira” “vassoura”, etc). Em todos esses casos realmente não há regra que ajude o aprendiz. É  preciso, na dúvida, consultar modelos autorizados (como o dicionário) e memorizar.  É importante ressaltar que a memorização da forma correta de palavras irregulares 8 corresponde a conservar na mente as imagens visuais dessas palavras, suas  “imagens fotográficas”. Nesse sentido, a exposição do aprendiz aos modelos de  escrita correta das palavras que contêm irregularidades é fundamental para que ele  memorize sua imagem visual. Considerando que a ortografia é uma “norma” que se arbitrou socialmente  como correta e por ser um conhecimento convencional, normativo, não devemos  apostar na idéia de que o aluno vá descobri-lo sozinho. Ele precisará de situações  que estimulem a reflexão sistemática sobre as características de nossa norma  ortográfica. Assim, alguns princípios servirão como guia para o trabalho didático. Princípios gerais I – A criança necessita conviver com modelos nos quais apareça a norma  ortográfica; precisa ter um grande convívio com materiais impressos. II – O professor precisa promover situações de ensino-aprendizagem que  levem à explicitação dos conhecimentos infantis sobre a ortografia. III – O professor precisa definir metas ou expectativas para o rendimento  ortográfico de seus alunos ao longo da escolaridade. Princípios relativos ao encaminhamento das situações de ensinoaprendizagem I – A reflexão sobre a ortografia deve estar presente em todos os momentos  de escrita. II – É preciso não controlar a escrita espontânea dos alunos. III – É preciso não fazer da nomenclatura gramatical um requisito para a  aprendizagem de regras (contextuais e morfológico-gramaticais). IV – É preciso promover sempre a discussão coletiva dos conhecimentos que  as crianças expressam. V – É preciso fazer o registro escrito das descobertas das crianças – regras,  listas de palavras, etc. VI – As atividades podem ser desenvolvidas coletivamente, em pequenos  grupos ou em duplas.9 VII – Ao definir metas, não podemos deixar de levar em conta a  heterogeneidade de rendimento dos alunos. Nos últimos anos as situações de sistematização do ensino-aprendizagem da  ortografia se enquadram em três grupos: I - Atividades de reflexão sobre palavras a partir de textos: ditado interativo,  releitura com focalização e reescrita com transgressão ou focalização.  a) Ditado interativo: Nesta primeira alternativa, em vez de aplicar um ditado  tradicional – que cumpre geralmente apenas o papel de verificar os conhecimentos  ortográficos - , um novo tipo de ditado, no qual buscamos ensinar ortografia,  refletindo sobre o que se está escrevendo. Ditamos à turma um texto já conhecido,  fazendo pausas diversas, nas quais convidamos os alunos a focalizar e discutir certas questões ortográficas previamente selecionadas ou levantadas durante a  atividade. A opção por um texto já conhecido das crianças não é gratuita. Se o texto  já foi lido e discutido, o grupo já estabeleceu com ele uma interação apropriada,  tornando-o como unidade de sentido.   A cada palavra tomada como objeto de discussão, examina-se por que ela  constitui uma fonte de dificuldade. Para isso, propõe-se aos alunos que operem  transgressões mentalmente (ou por escrito) e se discute por que a forma X seria  errada, por que a forma Y seria correta, etc. E assim segue, interrompendo o ditado  para focalizar outras palavras que contenham a dificuldade em pauta. O próprio  professor pode fazer a seleção das palavras sobre as quais se vai discutir, ou deixar  aos alunos essa tarefa, ou ainda conciliar as duas alternativas. b) Releitura com focalização: Um encaminhamento semelhante ao ditado  interativo é usado na releitura com focalização. Durante a releitura coletiva de um  texto já conhecido, fazemos interrupções para debater certas palavras, lançando  questões sobre sua grafia. Usar um texto desconhecido para desencadear a reflexão  ortográfica seria distorcer a natureza e as finalidades do ato de ler um texto pela  primeira vez. Segundo alguns estudiosos leitores fluentes têm dificuldades ortográficas e a  causa poderia estar na forma como esses bons leitores processam o texto escrito:  como identificam com muito automatismo as palavras lidas, elaboram os significados  do que lêem sem se deter nas unidades gráficas das palavras. 10 Ilustrando com uma situação concreta, uma professora de 3ª série decidiu,  desencadear uma reflexão sistemática sobre o emprego de R ou RR, uma questão  que várias crianças da classe não tinham ainda superado. Para tanto, optou por não  iniciar o trabalho com ditado interativo, mas com a releitura de uma fábula de Esopo  que tinham lido há pouco: “A cigarra e a formiga”.  O texto escolhido, que havia sido lido, comentado e reescrito na semana  anterior, continha muitas palavras que propiciavam a discussão sobre o emprego de  R ou RR: palavras como “cigarra”, “formiga”, “inverno”, “verão”, “durante”, “trabalho”,  “trigo”, “respondeu”, etc. Com exceção de um único contexto de emprego de R  (quando ele aparece depois de consoantes em palavras como “honra” e  “desrespeito”), todas as demais formas de emprego de RR e R estavam presentes  no texto selecionado. Após verbalizarem muito seus conhecimentos, posteriormente  materializaram sob forma de regras, registrando em seus cadernos e no “quadro de  regras”.  c) Reescrita com transgressão ou correção: Geralmente, quando  reescrevemos um texto, nossa intenção é aprimorá-lo ed, no que concerne à  ortografia, corrigi-lo. Como o objetivo da reescrita é especificamente refletir sobre as  propriedades de nossa norma ortográfica, também lançamos mão do recurso de  pedir para às crianças que transgridam, reescrevendo “errado de propósito”. Assim  como no caso das atividades anteriores, nossa intenção real é discutir com eles os  acertos ou erros que produzem/descobrem. Se considerarmos a personagem Chico Bento, de Maurício de Sousa, como  um menino que mora no campo, filho de agricultores pobres e que, como muitas  crianças brasileiras, trabalha, estuda e...não se sai bem na escola. E que além de  ingênuo e “ecologicamente correto”, o cativante Chico Bento se caracteriza por falar  um dialeto rural que é “transcrito” pelos autores na revista em quadrinhos onde  aparece; podemos desenvolver com as turmas situações de reflexão ortográfica,  como pedir-lhes para lerem os gibis em diferentes ocasiões, para se familiarizarem  com a personagem e descobrirem que ele “fala errado”, podemos propor atividades  mais específicas como escolhermos uma tira e pedirmos-lhes que identifiquem o que  havia de “errado” na escrita da história. As crianças detectarão que, os verbos (no  infinitivo) sempre aparecerá sem o R final (“apagá”, “fritá”, “fazê”). Perceberão 11 também que certos erros terão a ver com o modo como as personagens falam  (“vamo”, “ocê”, “pru”, “armoço”). A tarefa permitirá desencadear uma discussão geral  sobre como pessoas de diferentes regiões ou grupos sociais falam distintamente  nossa língua, sobre o cuidado que precisamos ter ao escrever, já que não  escrevemos tal como falamos. Para explorarmos ainda mais a situação podemos  propor aos alunos que reescrevam a mesma história, mas, em lugar de escrever  uma história, em quadrinhos, contarem o que tinha acontecido sem usar diálogos. II - Atividades de reflexão sobre palavras fora de textos, envolvendo a  classificação e formação de palavras. III - Atividades de revisão das produções infantis. Situações de ensino-aprendizagem: Usando o dicionário  Nossos alunos internalizam a norma também quando eles produzem seus  textos escritos e quando explicitam, no dia-a-dia, suas dúvidas espontâneas sobre a  grafia das palavras. Sendo assim, usar o dicionário se torna essencial e pressupõe  autonomia e uma série de conhecimentos. É exatamente por intermédio de nossa  interação com o objeto-dicionário que nos apropriamos daquilo que precisamos  saber para utilizá-lo e... aprender ainda mais com ele.  Analisando diretamente o problema, para usufruir do dicionário o aprendiz  precisa saber: - que dentro daquele “livro” as palavras estão seqüenciadas segundo suas  letras (iniciais e seguintes). - que, ao consultar a ortografia de uma palavra, o significado (ou acepção) é  um critério fundamental para checar se o verbete que está lendo é a palavra que  quer escrever; - que várias palavras (todos os vocábulos que têm flexões de número, grau,  gênero, grau; pessoa ou tempo no caso dos verbos) não aparecem listadas no  dicionário e que o único modo de encontrá-las é procurando suas formas nãoflexionadas. Finalmente, quando vier a compreender certas siglas (s. = substantivo; v. +  verbo, etc), o aprendiz poderá ser ainda mais eficaz em suas operações de consulta. 12 Podemos ver então que os conhecimentos lingüísticos envolvidos no “domínio” do  uso do dicionário dizem respeito a coisas distintas: - unidades da língua (letras, prefixos, radicais, palavras); - processos de formação das palavras (derivação, composição, flexão, etc); - as diferentes funções sintáticas ou pragmáticas que as palavras podem  assumir. Mas isso não é tudo. Quem procura a forma correta de uma palavra no  dicionário precisa adotar uma atitude de dúvida e antecipação. Revisando as produções infantis Quando pensamos num ensino-aprendizado que tem por meta a reflexão  sistemática sobre as características de nossa norma ortográfica, precisamos rever a  postura da escola tradicional na qual o único interlocutor dos textos produzidos pelos  alunos era o lápis vermelho do professor e tomarmos novas decisões no que diz  respeito à revisão reflexiva. 


Morais, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. Editora Ática, 1998, 128 p

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