Américo Pisca-Pisca tinha o hábito de botar defeito em todas as coisas.
— Tolices, Américo?
—
Pois então?!... Aqui neste pomar, você tem a prova disso. Lá está
aquela jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas e mais adiante
vejo uma colossal
abóbora presa ao caule duma planta rasteira. Não era lógico que fosse
justamente o contrário? Se as coisas tivessem que ser reorganizadas por
mim, eu trocaria as bolas – punha as jabuticabas na aboboreira e as
abóboras na jabuticabeira. Não acha que tenho razão?
E assim discorrendo, Américo provou que tudo estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
— Mas o melhor – concluiu – não é pensar nisso, é tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha?
E Américo Pisca-Pisca, pisca-piscando que não acabava mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo novo, inteirinho, reformado pelas suas mãos. Uma beleza!
De repente, porém, no melhor do sonho, plaf! uma jabuticaba cai do galho bem em cima do seu nariz.
Américo despertou de um pulo. Piscou, piscou. Meditou sobre o caso e afinal reconheceu que o mundo não era tão mal feito como ele dizia.
E lá se foi para casa, refletindo:
—
Que espiga!... Pois não é que se o mundo tivesse sido reformado por mim
a primeira vítima teria sido eu mesmo? Eu, Américo Pisca-Pisca, morto
pela abóbora por mim posta em lugar da jabuticaba? Hum!... Deixemo-nos
de reformas. Fique tudo como está que está tudo muito bem.
E Pisca-Pisca lá continuou a piscar pela vida a fora, mas desde então perdeu a cisma de corrigir a Natureza.
[...]
LOBATO, Monteiro. A reforma da natureza. São Paulo: Brasiliense, 2002
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